Arquivo mensal: agosto 2012

Luto e Melancolia

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                                                                                      Luto e melancolia

 

É notório que a consciência da finitude é um fato perturbador para o ser humano, mas é parte de sua condição humana, ou seja, é peremptório, não há como fugir. A perda de um ente querido é dor profunda porque dói na alma do ser. Freud não deixou de trazer luz ao tema, ao escrever sobre Luto e Melancolia.

Em Luto e melancolia, Freud compara a experiência do luto ao que em sua época era chamada de “melancolia” e hoje é identificado como “depressão”. No luto, a perda de um ente querido faz com que sintamos um “vazio” temporário em nossos afetos. Ao longo tempo, recuperamos a capacidade de redirecionar nossos afetos. No estado melancólico, a experiência da perda tem a mesma dimensão, mas não se sabe o que se “perdeu” e nem o porquê, ou seja, o processo de perda é inconsciente.

Nesta obra Freud mostra os efeitos da perda de um objeto sobre o Ego. Não ficamos de luto somente quando morre alguém importante para nós. Ficamos de luto quando perdemos ou nos separamos de algo que nos é significativo, alguma coisa (pessoas, animais, objetos, situações, sonhos, emprego, etc.) que nos são caros. Freud diferencia o luto da melancolia ressaltando o aspecto natural e compreensivo do primeiro e a inconformidade do segundo onde o sujeito sofre a perda, mas não sabe exatamente o motivo (o objeto talvez não tenha morrido, mas tenha sido perdido enquanto objeto de amor).

Além dos sintomas presentes no luto (traços de desanimo profundo, perda de interesse pelo mundo externo, perda da capacidade de amar e inibição de atividades). Na melancolia os sintomas são os mesmo, porém acrescido da perturbação na auto-estima e de um empobrecimento do Ego, que no luto se encontra ausente. Ainda, na melancolia, a perda do objeto se mostra mais grave e muito mais ameaçadora para o Eu. Assim, a diferença entre ambas é marcada pelo fato de que, no caso da melancolia, a dependência do homem em relação ao objeto perdido se dá de forma incompreensível tornando-se patológica. Embora o luto também seja muitas vezes incompreendido pelo enlutado, se constitui condição normal não necessitando de tratamento psicológico na medida em que é superado ou elaborado num período de tempo determinado, enquanto na melancolia o tratamento se faz necessário. Por ser o luto circunstância superável, ao longo do tempo, Freud julgava ser inútil ou até mesmo prejudicial qualquer interferência em relação a ele.

Se no luto o mundo torna-se vazio e insignificante, na melancolia o próprio Eu torna-se insignificante. Quando esta insignificância atinge o doente com um poder de autocrítica que o faz descrever a si mesmo como “mesquinho, egoísta, pouco sincero, sem autonomia, que sempre se empenhou em esconder as fraquezas de seu ser, ele pode, ao que sabemos estar bastante próximo do autoconhecimento […]”.(Freud, p. 106).

Para Freud o desinteresse pelo mundo externo em ambos os casos é causado pelo fato de que o indivíduo não invoca mais o objeto perdido,  pela perda da capacidade de adotar um novo objeto de amor para substituir o que foi perdido e pelo afastamento de atividades que não estejam ligadas a pensamentos sobre esse objeto

A melancolia tem natureza patológica e fraciona-se em diversas formas clínicas, inclusive no que se refere à mania, que seria seu polo oposto, de onde a bipolaridade, isto é, a oscilação entre a depressão e a euforia. Em resumo, enquanto, no luto a perda é consciente; na melancolia, a perda se processa no inconsciente.

Portanto, o luto profundo e a melancolia têm em comum a dor, entretanto, deveríamos ressaltar que, se para o enlutado a dor passa, ao contrário do luto, na melancolia a dor torna-se crônica.

É comum, também, na melancolia o aparecimento de sintomas físicos pela identificação com o sofrimento do objeto perdido. Por esse mesmo motivo e pelo sentimento de ambivalência entre amor e ódio do objeto perdido o melancólico pode ser levado ao suicídio. Daí a importância do tratamento psicológico e medicamentoso.

 

Profa. Dra. Edna Paciência Vietta

Psicóloga Clínica

Sogra e o imaginário popular

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Sabemos que o tema sobre sogra é pauta para os mais ardentes debates e carrega um sentido pejorativo no imaginário popular. Há sempre queixa velada ou explícita da interferência desta figura pautada no estereótipo de megera.  Como psicóloga, tenho procurado entender que fatores intervenientes estão por trás dessa complexa relação de antipatia.

Entre um casal que se relaciona, existe um sistema de valores e uma cultura própria que cada indivíduo, traz consigo de sua família. A educação, a formação, as crenças, nível de instrução, interesses, geralmente diferentes, sendo esses, fatores conflitantes para uma boa convivência. Há, já pairando no ar, mesmo antes de um casal  firmar qualquer compromisso, certas referências sobre a expectativa negativa dessa convivência, certa  predisposição à rejeição.

A sogra carrega um estereótipo que geralmente suscita piadas, brincadeiras, gozações e comentários jocosos. A forma preconceituosa como é vista essa relação pode dificultar o estabelecimento de vínculos entre sogra e nora e conflitos entre casais. As mães querem sempre ter o privilégio da última palavra na escolha da (o) companheiro (a) do filho (a), são elas que consciente ou inconscientemente estabelecem critérios para essa escolha.

Segundo Freud se faz possível dois tipos de escolha objetal, a saber: a anaclítica ou de apoio, ou narcísica. A primeira diz respeito ao fato de que os objetos das pulsões do ego se tornarão objetos da libido, ou seja, a escolha se apóia no processo da autoconservação, conduzindo para certo objeto tendo como referência, figuras parentais: pais ou substitutos. A segunda se refere a uma escolha de objeto semelhante ao próprio sujeito, ao que ele foi ou desejou ser.  

Quando a mãe tem uma forte relação de dependência com o filho ou filha, experimenta o casamento destes como uma perda afetiva muito grande e, esta, facilmente se transforma em rejeição, repulsa ou ciúme para com a nora ou genro, que é quem lhes “rouba” a prole. Pode surgir, a tendência, ás vezes, inconsciente, de criticar a nora ou o genro, colocando-se numa posição privilegiada de confidente perante o filho ou filha. É uma forma de se colocar como a pessoa única em quem o filho ou a filha pode continuar confiando.  

Outro fator que pode influenciar a relação sogra-nora é a chegada de um filho/neto, pois a partir desse momento existe mais um ser a ser disputado por ambas. A sogra parece ser sempre sentida como uma ameaça em relação ao amor do filho/neto.

Devido a todos os fatores que envolvem a relação sogra-nora, são inúmeros os sentimentos desencadeados nessa ligação, como por exemplo: ciúme, inveja, raiva, tristeza, insegurança, amizade, amor, carinho, respeito, entre outros.

O papel do marido/filho é fundamental no desenvolvimento da relação sogra/nora. Cabe a ele separar o amor de mãe do amor de esposa, colocando ambas nos seus devidos lugares. O mesmo se dá com relação esposa/filha.

As queixas freqüentes, que mais identifico no consultório, são: a sogra que chega à casa do filho (ou filha) e age como se estivesse na própria casa. Invade a cozinha, interfere na arrumação e na limpeza da casa, na lavagem e organização das roupas, na escolha da alimentação. Aquela que abre os armários, “sugere” mudanças, quer saber a razão do filho/filha estar aborrecido ou triste, curiosa em saber sobre a vida particular do casal, sobre as condições financeiras e aquisições do casal, críticas sobre consumo e economia doméstica; aquela que compete com a nora: numa clara disputa entre quem é a mais sedutora. Aquela que vive doente e/ou solitária, queixosa, carente, dada à chantagem emocional. Sogra desagregadora: aquela que se torna cúmplice da nora, que fala mal e que só aponta as características negativas do filho/filha, insuflando o genro ou nora contra seu par numa tentativa, ás vezes inconsciente de mostrar ao filho que só ela o ama, apesar dos defeitos. Aquelas que intrometem na educação dos netos.

Apesar dos inúmeros conflitos a relação sogra/nora, pode ser administrada de forma saudável. Isto ocorre à medida que ambas amadurecem emocionalmente e passam a compreender-se mutuamente, conscientizando-se que não precisam competir, uma vez que cada uma exerce um papel diferente. Este é, no nosso entender, o grande desafio para a contínua construção desta relação.

 

Profa. Dra. Edna Paciência Vietta

        Psicóloga Clínica

 

 

TOC – Transtorno Obsessivo-compulsivo: o que se deve saber

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O Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) não é uma doença nova. Há alguns séculos, as pessoas com pensamentos obsessivos blasfemos ou sexuais eram consideradas possuídas. Esta concepção religiosa das obsessões era consistente com a visão de mundo da época, e a lógica do tratamento consistia em expulsar o mal da alma possuída. O exorcismo era o tratamento de escolha.

O Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), já foi também considerado um transtorno raro, pois usualmente eram identificadas apenas as suas formas mais graves, enquanto que os sintomas, quando mais leves, eram considerados “manias”, “fraquezas” ou “falta de vontade” de tal forma que se o paciente o desejasse poderia livrar-se delas.

O TOC, Transtorno Obsessivo Compulsivo é hoje classificado entre os Transtorno de Ansiedade e se manifesta pela presença de obsessões e/ou compulsões. Está classificado ao lado das Fobias (medo de lugares fechados, elevadores, pequenos animais – como ratos ou insetos), da Fobia Social (medo de expor-se em público ou diante de outras pessoas), do Transtorno de Pânico (ataques súbitos de ansiedade e medo de freqüentar os lugares onde ocorreram os ataques), etc.

Os sintomas do TOC envolvem alterações de comportamento (rituais ou compulsões, repetições, evitações), de pensamento (preocupações excessivas, dúvidas, pensamentos de conteúdo impróprio ou “ruim”, obsessões) e das emoções (medo, desconforto, aflição, culpa, depressão). Esses sintomas interferem no desempenho escolar ou profissional do seu portador diminuindo demasiadamente a sua qualidade de vida.

Obsessões são pensamentos ou idéias, impulsos, imagens, cenas, que invadem a mente da pessoa de modo persistente, podendo ou não ser seguidos de comportamentos (manias) para neutralizá-los. São sentidos como estranhos e intrusivos causando aumento da ansiedade e grande desconforto.

Geralmente essas obsessões estão ligadas à higiene, organização, contaminação, transmissões de bactérias ou vírus.

Compulsões ou rituais são comportamentos ou atos mentais voluntários e repetitivos executados em resposta a obsessões ou em virtude de regras que devem ser seguidas rigidamente. Os exemplos mais comuns são: lavar as mãos repetidamente, fazer verificações, contar, repetir frases ou números, alinhar, guardar ou armazenar, repetir perguntas, etc. As compulsões aliviam momentaneamente a ansiedade, levando o indivíduo a executá-las toda vez que sua mente é invadida por uma obsessão acompanhada de aflição. Nem sempre têm conexão realística com o que desejam prevenir (p ex., alinhar os chinelos ao lado da cama antes de deitar para que não aconteça algo de ruim no dia seguinte; dar três batidas em uma pedra da calçada ao sair de casa, para que a mãe não adoeça).

Algumas compulsões não são percebidas, pois se desenvolvem mentalmente e não mediante comportamentos motores, observáveis. Alguns exemplos: repetir palavras especiais ou frases: rezar compulsivamente, relembrar cenas ou imagens, contar ou repetir números, fazer listas, marcar datas, tentar afastar pensamentos indesejáveis, substituindo-os por pensamentos contrários.

Os portadores da TOC apresentam medos absurdos que os obrigam a verificar inúmeras vezes trincos de portas, botão do gaz, maçanetas de carro, evitar corrimão de escadarias ou de freqüentar lugares que consideram sujos ou contaminados tais como cemitério, velório, sanitários públicos, hospitais etc. Muitos portadores têm vergonha de seus rituais e até mesmo os seus pensamentos obsessivos, e em função disto procuram oculta-los.

É comum, em portadores do TOC, a lentidão e a demora ao executar tarefas. Isso geralmente ocorrer em virtude de repetições (tirar e colocar a roupa várias vezes, sentar e levantar, sair e entrar, etc.), de verificações (trabalho, listas, documentos) ou do adiamento de tarefas devido à indecisão.evitação

Os portadores do TOC sofrem de muitos medos (de contrair doenças, de cometer falha, de serem responsáveis por acidentes). Em razão desses medos, evitam as situações que possam provocá-los – comportamento chamado de evitação.

As evitações são, em grande parte, responsáveis pelas limitações que o transtorno acarreta. Felizmente, têm sido desenvolvidos novos métodos de tratamento, utilizando-se medicamentos e psicoterapia (cognitivo-comportamental) capazes de reduzir os sintomas e, muitas vezes eliminá-los.

No Brasil, é provável que existam entre 3 a 4 milhões de portadores. Muitas dessas pessoas, embora tenham suas vidas gravemente comprometidas pelos sintomas, nunca foram diagnosticadas e tampouco tratadas.

 

    Profa. Dra. Edna Paciência Vietta

                      Psicóloga Clínica