Consumismo, Narcisismo e a ditadura da felicidade
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Consumismo, Narcisismo e a ditadura da felicidade
Fica cada vez mais evidente na nossa civilização o surgimento de um novo estilo de vida que influencia gostos e atitudes dos indivíduos de forma geral. Os avanços tecnológicos e a busca exacerbada pelo prazer potencializaram o “individualismo” dando ênfase aos aspectos mais preponderantes do narcisismo em nossa sociedade.
Na visão psicanalítica, o narcisismo que acontece na infância é considerado como primário e é parte do processo normal do desenvolvimento humano. Nesse primeiro momento, há um autoerotismo em que a energia libidinal estaria concentrada no ego servindo de proteção, além de fonte de fantasias. O ser nessa condição está totalmente voltado para si. Essa etapa é indispensável para o desenvolvimento humano e não se confere a ela nenhuma patologia. O narcisismo, portanto, retrata a tendência do indivíduo de alimentar uma paixão por si mesmo. Segundo Freud, isso acontece com todos até certo ponto, a partir do qual deixa de ser saudável e se torna doentio, conforme os parâmetros psicológicos e psiquiátricos. Com o desenvolvimento do indivíduo essa energia libidinal ligada ao ego tende a se deslocar para os objetos, ou seja, o ego narcísico passará a procurar no Outro a realização de seus desejos e satisfação. Quando isso não acontece, instala-se o narcisismo patológico.
Numa sociedade consumista a libido é novamente redirecionada ao eu, ou seja, há uma regressão ao narcisismo e a sociedade é pautada por certas características: supervalorização da auto-realização, egocentrismo, personalidade centrada no EU, no individualismo, particularismo, hedonismo, busca por viver intensamente o presente, sentimento de desprezo e apatia pelo coletivo, buscando apenas a própria vantagem, só necessitando do outro como instrumento de confirmação do próprio eu. Nesse contexto, o Outro, é também apresentado como objeto para o consumo.
De acordo com Costa (1988), os distúrbios narcísicos, neste contexto, resultam de uma ampliação da experiência de impotência e desamparo, bem como de um clima de desorientação e ansiedade que tendem a se generalizar em nossa sociedade. Assim, o narcisismo se revela com o objetivo de evitar desprazer, dor, sofrimento ou privação.
Essa nova conjuntura levou o indivíduo a criar uma identidade pautada no consumismo, transformando tudo e todos em mercadorias que podem ser consumidas, coagindo o indivíduo a comprar para se sentir feliz tornando o que se pode chamar de ditadura da felicidade. Esta “felicidade material” faz com que a sociedade torne-se cada vez mais alienada – refém da própria existência.
A felicidade passou a ser pautada na aquisição de bens e poder, no consumo. Assim, é mais feliz quem puder consumir mais.
O objetivo natural do homem é ser feliz. Ao longo da civilização, muitos foram os caminhos percorridos pelo ser humano na busca dessa realização.
Assim, na Antiguidade, Idade Média e Modernidade a felicidade estava ancorada no Outro – no social, no coletivo – enquanto na atualidade, o ancoradouro da felicidade é o Eu – no indivíduo. Observamos a exacerbação do individualismo e a fragilidade dos laços sociais. Na prática, ao contrário de tempos antigos em que a sensação de encontro com a felicidade se via confirmada pelos Ideais mais amplos: Nação, Ideologias, Utopias, Família – hoje, temos a sensação de felicidade apenas quando não somos frustrados em nosso narcisismo.
Desse modo, a sociedade pós-moderna culminou com o Narcisismo, o Hedonismo: o prazer desenfreado e a busca incessante do prazer; o Niilismo: vazio existencial; o Pluralismo: onde não há absolutos, ou seja, a verdade maior fica relativizada; o Consumismo, com a valorização do ser pelo ter; no pragmatismo: sacrifício ao futuro em prol de um imediatismo total e escravizador, na busca desenfreada por resultados; individualismo: o homem passa a ser a medida de si mesmo, anulando tudo e todos ao seu redor; e finalmente, o Utilitarismo: onde o foco está nas vantagens do ser, somado ao conceito do descartável.
Se é que ainda possamos interferir neste processo devemos: proteger nossas crianças da publicidade excessiva, não incentivar o consumismo, estimular sua imaginação e criatividade, promover o contato com a natureza e com os livros. Só, assim, poderemos ter no futuro, adultos responsáveis, mais sensíveis e solidários, motivados a agirem como agentes transformadores da sociedade.
Profa. Dra. Edna Paciência Vietta
Psicóloga Clínica